Descobertas no campo da fisiologia revolucionam a avaliação da
capacidade física e permitem desenvolver exercícios mais eficazes, que
oferecem ganhos com menos tempo e esforço
Matricular-se na academia, comprar roupas de fitness, receber a
planilha de exercícios e começar a treinar. Simples assim, sem
surpresas. Fazer um pouco de atividade aeróbica em um dia, no outro
trabalhar separadamente grupos musculares. E só. Familiar a qualquer um
que já tenha se proposto a começar a praticar atividades físicas, esse
esquema de treinamento já é algo do passado. Hoje, descobertas no campo
da fisiologia e a ascensão de novos conceitos estão ajudando a construir
um novo padrão de treino ideal. Ele vem embasado em informações que
permitem instituir com maior precisão o tempo e a intensidade
necessários ao resultado desejado e ajudam a evitar equívocos
responsáveis por lesões ou pelo desânimo que costuma abater os
praticantes após dois, três meses o início de seus treinos. Na sua
essência, está a mais moderna maneira de compreender o corpo: um
organismo integrado no qual músculos, ossos, articulações, artérias e
veias sanguíneas trabalham em conjunto com o objetivo de preservar nossa
capacidade de executar movimentos – desde os mais simples, como se
agachar para amarrar os sapatos, até os mais complexos. Enfim, que atuam
como uma orquestra afinada para garantir a funcionalidade do corpo. Não
se trata mais, portanto, de pensar o treino de forma fragmentada, com
músculos estimulados isoladamente, por exemplo. No treino ideal, todas
as estruturas do organismo envolvidas no movimento devem ser levadas em
consideração. É o chamado treinamento funcional, integrado por
exercícios capazes de turbinar, ao mesmo tempo, o equilíbrio, a força, a
estabilidade e a potência.
A mais recente novidade nessa área é a chegada às academias de um novo
método de avaliação para conhecer a fundo os segredos que interferem nos
movimentos de cada um antes do ingresso na atividade física. Os
resultados são usados para definir o plano certo de treinamento, que
podem incluir exercícios corretivos, se for o caso, e aqueles destinados
a assegurar a funcionalidade do corpo. Conhecido pela sigla FMS, do
inglês Functional Movement Screen (em tradução livre, teste de movimento
funcional), o recurso começa a ser oferecido em academias americanas,
como a moderna Equinox, a respeitada Mayo Clinic e o Cooper Fitness
Center, um dos principais difusores da proposta. “Precisamos conhecer as
pessoas e, como diz o criador da técnica, Gray Cook, primeiro ajudá-las
a se movimentar bem para depois se movimentar com frequência”, disse à
ISTOÉ Carla Sottovia, diretora da rede Cooper.
No Brasil, a avaliação funcional começa também a se tornar acessível a
um público mais amplo. Academias como a Cia. Athletica, Triathlon e a
Edge, a ser inaugurada em breve em São Paulo, e a Porto do Corpo, em
Porto Alegre, estão incluindo a técnica. Já a BodyTech agendou para
daqui a um mês o lançamento de um projeto piloto com o método em uma de
suas unidades paulistas. Se der certo, irá expandi-lo para toda a rede.
Na Runner, a análise integra um programa desenhado para acolher os
alunos que chegam. “É um serviço já disponível em oito unidades”, diz
Guilherme Moscardi, responsável pelos licenciamentos da rede.
Originalmente, a avaliação é composta por sete sequências de
movimentos para mensurar o equilíbrio, a estabilidade, flexibilidade,
velocidade, agilidade, força e potência e resistência aeróbica (confira
os exercícios no quadro que começa nesta página). A essa matriz, o
mestre em educação física Mauro Guiselini, diretor de um instituto de
ensino, pesquisa e atendimento em fitness que leva seu nome, em São
Paulo, e consultor científico do programa receptivo da Runner, somou
mais dois exercícios, destinados a avaliar mais detalhadamente 29 pares
de músculos situados no abdômen e que sustentam o complexo
quadril-pélvico-lombar.
Os estudos mostram que essa cadeia muscular está associada às dores
de coluna, alterações do quadril e flacidez abdominal. “Não é raro a
pessoa que há tempos não faz exercícios ter um encurtamento muscular ou
instabilidade da coluna responsáveis por dificuldade para fazer
movimentos no dia a dia”, diz Guiselini. “A mesma musculatura será
acionada na realização de exercícios. Isso mostra a importância de
avaliar a qualidade dos movimentos para traçar programas de exercícios
que atendam às reais necessidades das pessoas”, explica o especialista.
A avaliação é feita de modo complementar aos testes convencionais para
saber o percentual de gordura no corpo, o VO2 (volume máximo de oxigênio
que o corpo captura dos pulmões. Quanto maior, mais elevado o potencial
aeróbico) e tirar medidas para descobrir se há diferenças de tamanho
entre um membro e outro. Na visão do cardiologista Nabil Ghorayeb,
porém, é preciso também fazer uma consulta médica e o teste ergométrico.
“Isso deve ser feito antes de tudo, para saber se o indivíduo tem
condições de praticar uma atividade ou se está em risco”, diz.
A importância da análise funcional ficou demonstrada em um estudo
recente que investigou as condições de mais de três mil recém-chegados à
Runner. “Entre 1% e 2% das pessoas tiveram dores ao fazer movimentos
básicos, como o agachamento, e foram orientadas a ir ao médico antes de
começar a treinar”, conta Guiselini.
Além disso, 15% não conseguiram executar um ou mais exercícios e apenas
18% os realizaram com perfeição. Mais um achado significativo: 33% dos
novatos apresentavam algum encurtamento na musculatura do tornozelo que
predispõem a lesões. Também verificou-se que cerca de 20% das pessoas
não poderiam fazer os abdominais tradicionais por causa de déficits de
movimento relacionados a encurtamentos musculares e instabilidade. A
consequência, nesses casos, pode ser o surgimento de dores na coluna.
“Esse tipo de teste nos auxilia a ver quais compensações o corpo está
fazendo para realizar um exercício e auxiliar o aluno a ter um
desempenho melhor”, diz o personal trainner Henrique Varella, da Cia.
Athletica do Rio de Janeiro. “A partir dele, montamos o plano de treino
acrescido de exercícios funcionais para a correção das dificuldades”,
explica. Paulo Zogaib, professor de fisiologia do exercício da
Universidade Federal de São Paulo, alerta para a necessidade de uma
reavaliação do aluno a cada dois a três meses. “É fundamental para saber
se o treino teve o efeito esperado”, diz.
Antes desse formato mais simplificado de avaliação funcional, criado por
pesquisadores americanos, outra versão do teste, mais sofisticada,
mantinha-se como um recurso disponível apenas em centros de excelência
como o laboratório de medicina esportiva SportsLab ou o Laboratório de
Estudo do Movimento da Universidade de São Paulo. Feita com instrumentos
mais precisos, ela é destinada a um público predominantemente formado
por atletas e pessoas com nível médio ou avançado de atividade. “A
avaliação funcional mais básica que chega às academias é realmente útil
para revelar especificidades do movimento que o indivíduo fará no dia a
dia ou na academia. Mas praticantes de alta performance não estão
dispensados de outros testes funcionais”, diz o ortopedista Arnaldo
Hernandez, chefe do grupo de Medicina do Esporte do Hospital das
Clínicas de São Paulo.
No SportsLab, por exemplo, o exame ocorre em três etapas. Primeiro, o
perfil do aluno é registrado em fotografias com o intuito de calcular
medidas de desalinhamento corporal, assimetrias e alterações mais
notáveis. Depois, são feitos testes de flexibilidade e equilíbrio e uma
filmagem do indivíduo andando na esteira, em três velocidades, para
conhecer os seus padrões de movimento e possíveis déficits e falta de
alinhamentos. Por fim, o indivíduo usa uma máquina – o dinamômetro
isocinético – para quantificar o desempenho dos membros e ver a força,
potência e resistência muscular de cada grupo muscular. Com esses
resultados na mão, o especialista em medicina esportiva Rogério Neves
tem condições de indicar exercícios corretivos e adaptar o treino de
forma individualizada. “Começa a haver maior consciência de que o
exercício mal indicado e realizado de maneira errada pode levar a lesões
e que, em vez de ajudar, prejudica e envelhece”, diz Neves, que está à
frente do SportsLab.
A questão também é conciliar o que o aluno precisa, de acordo com as
avaliações funcionais, com o que ele intimamente deseja quando chega à
academia: perder gordura e ganhar músculos. “É necessário fazer um
trabalho de convencimento para mostrar aos alunos os ganhos do exercício
funcional para a sua performance”, diz Caio Correia, gerente de
inovação da academia Competition. “Mas estamos assistindo ao surgimento
de um novo ambiente nas academias. Ele é voltado para a construção de um
corpo pensado de forma integrada e com um treinamento focado na
prevenção”, complementa Patrícia Pirozzi, diretora da Triathlon.
Outras informações recém-saídas de laboratórios de pesquisa prometem
aprimorar mais o treinamento. Uma delas joga luz sobre uma dúvida comum:
saber se realizar sessões muito próximas de musculação e de exercícios
aeróbicos prejudicaria os ganhos musculares e os cardiovasculares. Para
examinar o assunto, pesquisadores da Universidade McMaster, no Canadá,
convidaram voluntários de meia-idade para três dias de teste.
No primeiro, eles pedalaram uma bicicleta ergométrica por 40 minutos em
ritmo moderado. No segundo, fizeram sessões intensas de exercícios de
extensão da perna, para fortalecimento. No último dia, houve 20 minutos
para extensão de perna e 20 minutos de bicicleta. Antes e depois, uma
amostra de tecido do músculo da perna foi analisada. “Não vimos
prejuízos. O exercício aeróbico pode preceder o treinamento de
resistência no mesmo dia, sem comprometer a construção dos músculos”,
afirmou Stuart Phillips, que liderou o estudo. O trabalho evidencia
ainda que é possível obter os mesmos benefícios fazendo menor quantidade
de cada tipo de atividade se elas forem associadas. A conclusão vai ao
encontro do que se verifica nas academias. “Observamos que não há
restrição na iniciação conjunta com aeróbicos e localizados e que isso
otimiza os resultados”, diz Saturno de Souza, diretor da rede Bio
Ritmo.
A investigação do mínimo de exercícios que se pode fazer para melhorar a
saúde é mais uma área em evidência. No mês passado, a jornalista
Gretchen Reynolds, autora de uma das colunas mais lidas do jornal
americano “The New York Times”, sobre fitness, alavancou o tema ao
lançar o livro “The First 20 Minutes: Surprising Science Reveals How We
Can Exercise Better, Train Smarter, Live Longer”, algo como Os primeiros
vinte minutos: a surpreendente ciência que revela como podemos nos
exercitar melhor, treinar de maneira inteligente e viver mais. Gretchen
reúne estudos para provar que basta se mover em torno de vinte minutos
diariamente para obter as alterações fisiológicas positivas do
exercício. Ela defende que ter uma rotina ativa é mais fácil do que
parece e dispensa, por exemplo, vincular-se a uma academia.
Na Inglaterra, um trabalho da Universidade de Bath vai mais longe. De
acordo com os pesquisadores, pedalar na bicicleta ergométrica com
intensidade e em três arrancadas de 20 segundos cada uma por dia seria
suficiente para reduzir os níveis de açúcar no sangue, prevenindo, a
diabetes (caracterizada pelo acúmulo de glicose na corrente sanguínea).
Esse esquema de exercício obrigaria os músculos a gastar seus estoques
de energia e a buscar sua reposição na glicose do sangue.
Também na Inglaterra, cientistas da Universidade de Exeter verificaram
que bastam 15 minutos de caminhadas diárias para sofrer menos com a
compulsão por doces. Isso seria resultado da redução no estresse
proporcionada pela atividade. Com menos tensão, é menor a chance de o
cérebro buscar mecanismos de compensação – nesse caso, nas guloseimas.
Aqui no Brasil, os especialistas preferem aguardar mais tempo de
estudos, mas veem com bons olhos notícias como essas. “Os trabalhos
ainda são controversos”, diz Arnaldo Hernandez. “Mas, de todo modo, o
ideal é fazer uma atividade contínua de 20 minutos com intensidade um
pouco maior. Assim é possível ter os mesmos efeitos de um exercício mais
longo de baixa intensidade”, diz.
Já a ideia de que levantar cargas pesadas em treinos puxados é o único
meio de ganhar músculos está sendo contestada por pesquisas feitas no
Centro Médico da Universidade de Maastricht, na Holanda. “Um número
maior de repetições com pesos leves é tão eficiente para construir
músculos como o uso de pesos mais pesados com menor número de
repetições”, disse a ISTOÉ Cameron Mitchell, que participou do trabalho.
O que faz diferença, nas duas situações, é atingir o ponto de fadiga.
“Mesmo com baixo peso, ela precisa ser sentida nas últimas duas a três
repetições para estimular o fortalecimento dos músculos”, afirma a
cientista.
Um crescente corpo de evidências científicas também está colocando em
xeque outro conceito estabelecido. Um trabalho recente da Universidade
de Pittsburgh (EUA) está derrubando a ideia de que perda de massa
muscular é inexorável a partir dos 40 anos. Os cientistas analisaram as
condições de 40 atletas recreativos com idades entre 40 e 81 anos
submetidos a sessões de corrida, natação, caminhada ou bicicleta
repetidas entre quatro e cinco vezes por semana. Descobriram que o
treino continuado praticamente elimina a temida perda de músculos.
Nos testes, foram constatadas perdas pouco significativas na musculatura
das pernas entre os que mantiveram um treinamento regular. Isso ocorreu
independentemente da idade, como ficou comprovado em exames de
ressonância magnética do músculo quadríceps, situado na coxa. As imagens
exibiam diferenças ínfimas na musculatura de um triatleta de 40 anos em
comparação a outro, com 70 anos. A avaliação de um homem sedentário de
74 anos, porém, revelou uma quantidade de gordura muito maior e a de
músculos, menor. “Quando se fala em envelhecimento, geralmente não se
estuda o que os nossos corpos são capazes de fazer. Mas controlamos 70%
desse processo”, disse Vonda Wright, coordenadora da pesquisa. No
entanto, um novo estudo do mesmo grupo de pesquisadores revelou que o
efeito só se aplica aos músculos estimulados. Na visão dos
pesquisadores, isso deixa claro que de fato é necessário adotar planos
de exercícios elaborados para preservar as funções musculares do corpo
todo, o que uma única atividade não garante.
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